quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A ópera

2h59.  "Lembra daquela cicatriz no meu dedo indicador esquerdo que você vivia perguntando do que era? Eu me lembrei." Foi assim que, depois de alguns anos, ela tinha enviado o e-mail que tanto resistiu em enviar a ele. Em uma madrugada quente de verão e após alguns cigarros consumidos no escuro, ela tomou coragem. Tinha se recordado da tal marca no dedo após alguns pensamentos desconexos enquanto o sono não vinha. Pensou um pouco de tudo. No pai, em uma casa com piscina no interior, no brinco novo que tinha comprado e em borboletas. Borboletas. Insetinho interessante, que começava o ciclo da vida de forma feia e estranha, mas que tinha um fim bonito. E ai veio a mente como poderia ser o seu casamento em dia. Se se casasse. Não tinha a imagem do noivo. Poderia ser qualquer um que habitasse em seus devaneios. Qualquer um sem face alguma. Imaginou ser legal se casar a céu aberto. E que, antes de percorrer o caminhou rumo ao altar, uma revoada de borboletas poderia anunciar a sua entrada. Imaginou não ter problema se alguma delas voasse contra si. Lembrou do que sua mãe havia dito há muitos anos: "Dá sorte quando uma borboleta pousa em nós". Ela se lembrou então do dia em que sua mãe disse isso. No dia da sua primeira comunhão, em que recebera a hóstia com o nó do dedo indicador esquerdo machucado no muro de concreto chapiscado de uma de suas casas de infância. E foi assim que ela criou colhões suficientes para ter novamente contato com aquilo que a fizera sangrar tanto um dia. Não as borboletas. Ele.