segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O vício

Não importa como. A vida é uma marola, ora em dias de águas tranquilas, ora em momentos tempestuosos. Episódios calmos, pessoas calmas, trabalhos calmos, estudos calmos, amores calmos. Episódios infernais, pessoas enlouquecedoras, trabalhos homicidas, estudos hemorrágicos, amores turbulentos. Mas passa. Um dia tudo isso acaba e deixa um buraco. Ouve-se um som no vácuo. Não se ouve. E aí queremos preencher esse vazio. Ou alimentá-lo. E isso causa dor. Mas não importa: no fundo, todos têm um quê masoquista.

Relações exploratórias, sejam em qual âmbito for. Aquelas que jogam em um holofote seus piores defeitos, mas que mesmo assim nos fazem amá-las. Aquelas que machucam quem nos quer bem. E quando conseguimos exorcizá-las, teimamos em sentir saudade do mal que habitava dentro de nós.

Situações assim não faltam. Às vezes, faltam-nos colhões para dizer um basta. Teimamos em dizer que está tudo bem. Bem? Para quem? Até que essa inércia chega a um ponto tão insuportável que até o lado parasita da relação se cansa e diz "Chega, acabou!". E aí comprovamos quem estava no papel de chupim.

Escolhe-se pessoas, ocupações, lugares, cheiros e gostos ditos diferentes, que, na verdade, são anestesias para algo turbulento e viciante. Mas não adianta: aquele buraco lá de cima somado ao masoquismo que vem mais abaixo fazem com que os sujeitos da frase anterior sejam trazidos de volta por uma lembrança triste e insana.

Uma "nostalgia de um tempo maravilhosamente terrível". No fundo, é isso o que todos nós sentimos.

domingo, 16 de setembro de 2012

Dias indigestos regados a tecnologia




A importância que a tecnologia conquistou em nossas vidas não tem preço. Em qualquer área. Hoje, salvamos vidas utilizando aparelhos que substituem órgãos, conseguimos nos comunicar em tempo real com pessoas que estão do outro lado do mundo, acompanhamos o caminho que produtos comprados via internet fazem até chegar a nossas mãos. Porém, como tudo há de ser, existe o ônus dessa revolução tecnológica.

Sou do fim de um tempo em que o telegrama foi usado para felicitar a minha família pelo meu nascimento. Fiz amizades me correspondendo com “estranhos” por meio daquelas sessões de “novos amigos” que as revistas tinham. Lembro muito bem que, quando eu não sabia ler e escrever, minha mãe ouvia e redigia o que eu tinha a dizer para meus colegas até então desconhecidos. Mais adiante, cheguei a fazer curso de datilografia por influência dos meus pais – para mim, ouvir o barulho da antiga Olivetti preta que eles tinham em casa era empolgante.

E datilografar com a habilidade e rapidez deles? Demais! Achava estranho a força que eu tinha que empregar nas teclas da máquina, mas me esforcei. Mas não demorou muito para que ela ficasse à sombra do esquecimento, dando lugar ao computador que eu ganhei nos meados dos meus 14 anos. Meus dedos agradeceram.

Eu sempre fui tímida. Era a “esquisitinha” da classe, sempre estava no canto. Isso quando não cismava e parava de falar com todo mundo de uma vez. Nunca soube lidar muito bem com o comportamento humano, ainda mais in loco. Nessa época, adotei – e muito – a comunicação via internet. Minha mãe ficava preocupada com isso, já que era rotina eu ficar ansiosa para dar meia-noite para usar a rede por um só pulso. Ela acordava no meio da madrugada e eu estava lá, entretida com tanta novidade.

As cartas trocadas via fórum dos leitores das revistas foram substituídas por novos cibercolegas. Confesso que me isolei bastante nessa fase. Afinal, eu me articulava tão bem via protocolo de informação que as relações interpessoais não me faziam falta. Boa parte do que aprendi também aconteceu nesse mesmo período. Apesar de achar as pessoas – de carne e osso – ao meu redor estranhas, com o tempo aprendi e, mais do que isso, passei a me interessar a lidar com algumas delas.

Ainda utilizo os meios virtuais para comunicação. Aliás, não seria leviano eu dizer que 95% da minha comunicação é feita via internet. É muito prático conversar com um amigo querido que está do outro lado do mundo, saber que minhas amigas de infância casaram e já são mães por meio de fotos postadas nas redes sociais ou resolver problemas com empresas via canal online de relacionamento com o cliente.

Mas, como eu disse mais acima, existe o ônus disso tudo. Essa praticidade gera distância. Gera uma incapacidade de processarmos o que vem de dentro, o que sentimos. Distância capaz de tornar pessoas próximas em estranhos. Ou em estranhos íntimos, como preferir. Confesso que sinto muito por não ter pego no colo – ainda – os filhos das minhas melhores amigas de infância, de não poder contar com o colo de um amigo que está longe nos momentos difíceis e não olhar bem fundo nos olhos de um representante de alguma empresa quando estou insatisfeita com seus serviços.

Deduzimos sentimentos. Pode parecer saudosismo da minha parte, mas esse contato pessoal, de frente para o outro, não tem como ser substituído. Sim, existem as câmeras que transmitem imagens em alta resolução, microfones que captam vozes a metros de distância, mas não, isso tudo não substitui o velho olho no olho. Por dias com o uso moderado da tecnologia. Por favor.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A gafe do politicamente correto




A cada dia fico mais assustada com o mar da linguagem politicamente correta no qual estamos mergulhados. Às vezes, sinto que fomos pegos feito bonequinhos de marionete e imergidos em termos plásticos, sem função alguma. São termos amenos, com a função de apaziguar um suposto conflito psicológico causado em algumas pessoas ao ouvi-los.

Um dia desses, travei uma batalha sobre a utilização da palavra gari. Sim, o catador do nosso lixo, prestador de um dos serviços que mais julgo essenciais à sociedade, a limpeza, e que me faz sorrir com gratidão e dizer obrigada toda vez que consigo alcançar o caminhão de coleta correndo para conseguir descartar o que não é mais útil para mim.

A explicação vinda do outro lado era sobre o suposto peso pejorativo que a palavra carrega. Em seu lugar, deveria ser aplicado algo como “colaborador”, “agente” antes da palavra limpeza. Não consegui disfarçar a minha indignação com tal justificativa e dividi com alguns colegas. Todos, assim como eu, buscavam uma explicação plausível para a nova terminologia. Poxa, como assim exterminar a palavra gari? Mal sabe a pessoa que estava do outro lado que esse substantivo remete a algo histórico para o Brasil, e que nada tem de ruim, quando o francês Pedro Aleixo Gary assinou, em 1876, o primeiro contrato de limpeza com o império brasileiro. Após saber essa informação, minha curiosidade foi ainda mais longe e me fez pesquisar como os garis são chamados ao redor do mundo. Vi que em Portugal, eles são os “almeidas”. Sim! Isso em homenagem a um diretor de limpeza da capital portuguesa que tinha o sobrenome Almeida.

Depois de saber essa informação, fiquei me perguntando: e se a onda do politicamente correto invadisse Portugal? Uma outra onda de Almeidas de sobrenome invadiria os cartórios desesperada querendo mudar seu nome de família? Ou ser um Almeida seria sinônimo de estigma social, tendo eles que criar uma sociedade secreta para poder continuar vivendo?

Outro termo que passou a me chamar a atenção é o “melhor idade” para se referir a pessoas idosas. Certa vez, eu estava na fila de uma farmácia e ao lado do caixa onde eu estava, tinha um de atendimento exclusivo a pessoas na “melhor idade”. Um senhor, que caminhava com certa dificuldade e que não escondia o peso de ter uma coluna vertebral já arcada pelo tempo, estava próximo a mim comentou algo do tipo “Como é possível isso? Eu aqui, gastando boa parte da minha aposentadoria com remédios por causa das doenças que a idade me proporcionou, e a farmácia dizendo que estou na melhor idade! Tenha paciência!”. Entendi que aquilo, sim, era uma falta de respeito a alguém que deveria, de fato, ser reconhecido pelos anos de vida que levava na bagagem.

Fiquei constrangida pela farmácia ao ouvir aquilo da boca daquele senhor. Mais que constrangida, fiquei triste em saber que palavras que carregam um sentido tão nobre, como gari, que representa o que representa como eu disse acima, e idoso, ou até mesmo velho, remeta a algo ruim. Pelo contrário, se temos que criar expressões que valorizem essas pessoas que citei como poucos exemplos, que seja algo composto por, no mínimo, muitos adjetivos positivos, pois é o que elas representam para toda sociedade.

Acredito que essas interferências na semântica das palavras contribuem apenas para inflamar o infeliz sentido negativo que algumas pessoas insistem em dar a elas. E o pior de tudo é que esse amenizar afeta diretamente quem supostamente deveria ajudar. Isso as ofende, principalmente quando seu “problema”, seja ele por profissão, idade, peso, raça ou seja lá o que for, é visto como algo negativo. E não é.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O cheiro eterno da infância



Acho incrível a capacidade que temos de memória. Todas elas. Mas as que mais gosto são as memórias sensoriais, que nos levam de volta a diversos momentos, sejam bons ou ruins. São imagens, sons, toques e cheiros que despertam lembranças que vivemos há anos e que, por muito pouco, se não fosse o fator tempo, nos jogariam de volta àquele momento.

Um dia desses, um colega de redação trouxe um pão caseiro feito por sua mãe. Bem simpático, ele disparou um e-mail a todos da editoria informando a chegada da delícia em meio à linha de produção do jornal do dia. Era um pão de mandioquinha e, apesar do dia frio de outono, ele ainda estava quentinho. Para acompanhar, peguei um café. Na primeira mordida que dei na fatia de pão, fui arremessada aos meados dos meus 7 ou 8 anos. Nessa época, eu ficava com a empregada, pois meus pais sempre trabalharam.
A imagem que guardo dela é a de uma senhora muito meiga, que cumpria o papel de avó, já que as minhas sempre foram um pouco distantes. Dona Anita, era esse o seu nome. Lembro das coisinhas gostosas que ela fazia para o café da tarde, entre elas uns pães caseiros. O gosto do fermento biológico era bem marcante. Mais do que isso, lembro ainda dela gritando no quintal me chamando para comer enquanto as minhas brincadeiras na garagem não terminavam nunca.

A memória que tenho desses dias, coincidentemente, foi a do mesmo dia em que o colega de redação trouxe o pão: dias frios, mas que eram aquecidos por um mimo de alguém atencioso. Das muitas lembranças que tenho da minha infância, a maioria delas é de situações que aconteceram em dias cinzas de outono ou inverno. Talvez pela falta que eu sentia dos meus pais. As lembranças ilustradas em dias de sol contam com a presença deles.

Foi incrível como o degustar daquele pedacinho de pão, que deve ter durado apenas alguns segundos, foi capaz de trazer memórias eternas e bem mais longas do que aquele momento.
Da mesma forma que o cheiro do fermento do pão me faz lembrar a infância, o folhear de um livro novo também faz com que eu me sinta uma garotinha novamente. Lembro de quando as aulas voltavam e eu tinha novos livros para o ano letivo. Enquanto meus pais arrancavam os cabelos para dar conta de uma lista sem fim de materiais e livros, eu me divertia com o “passeio” na papelaria. Dessa fase estudantil, o cheiro que mais me remete a ela é o da caixa de lápis de cor e de giz de cera.

Quando eu estava com uma delas nas mãos, a primeira coisa que eu fazia era cheirá-las. Só depois de quase ter “anestesiado” as minhas células olfativas após elas já terem se acostumado com aquele aroma é que eu começava a desenhar. E o mais engraçado é que essa mesma sensação é compartilhada por tantas outras pessoas, como pude comprovar durante uma retrospectiva da infância que eu e alguns amigos fazemos de vez em quando.

Todo mundo tem uma memória olfativa dessa época. Das minhas, acho que a mais curiosas é a do “cheiro” de formiga. Sempre fui muito mal compreendida em relação a esse odor. Depois de grande, todo mundo me olhava com estranheza quando eu tentava explicar, sem sucesso, que sentia esse cheiro quando estava perto de um formigueiro que havia no quintal de casa. Já adulta, arrisquei falar dessa lembrança com uma amiga bióloga. Foi aí que veio a explicação e a comprovação de que não se tratava de imaginação de criança: as formigas possuem uma defesa chamada de ácido fórmico. Daí que vem o cheiro.

Seja lá qual for, todo mundo tem uma memória sensorial latente dentro de si. Basta um estímulo que remeta a elas para que despertem. E as da infância são as mais gostosas. Sem dúvida alguma.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O sentir


Odeio a forma como algumas pessoas reagem a certas situações. Fico ainda mais indignada quando a tal reação está diretamente ligada à indiferença. Acredito que 99,9% da população em idade apta a se envolver emocionalmente ­- seja com amigos, namorados, maridos ou qualquer outra possibilidade que seja - está propensa a passar por isso ou já fez isso.

Um grande amigo, assim como eu estive em sua pele um dia, vive isso atualmente. Um belo dia resolveu mudar a sua vida por alguém, que, depois de vários anos de relacionamento, de respeito e cumplicidade o trata com indiferença após um mero desentendimento. Ele sofre, pensa, fica triste, se desespera. Para não sofrer mais, evita saber dos dias do outro lado. Conversa para resolver a questão? Não. Pois a pessoa está "ótima", como nunca antes. Ela faz de conta que a vida está perfeita. Sai, bebe, tira fotos sorrindo com vários amigos "legais" e faz questão de postar nas redes sociais como forma de dar um soco na cara do passado, representado pelo ex. Fico me perguntando: a quem essas pessoas pensam que enganam? A si próprias? Que tolice. Não tem como: fins doem e isso É uma regra. Não, não estou defendendo a tese de que uma fase como essa é digna de uma bela fossa, mas acho que qualquer momento é digno de verdade. Soa muito falso o seu interior estar cravado pela dor - que é isso, sim, o que se sente - e você fingir que tudo está lindo. É feio. É horrível.

Cada momento deve ser vivido de acordo com a proposta que ele apresenta. Se é para ser feliz, seja. Se é para chorar, chore. Se é para sofrer, sofra. Só assim conseguimos ver e aprender o real sentido de cada sensação, de cada momento e aproveitar ao máximo o âmago de todos aqueles que se opõem de forma positiva. A vida não tem que ser feliz o tempo todo. Isso seria muito chato, da mesma forma que seria estranho estar mergulhado em um mar de melancolia. Lembro de uma amiga me dizendo isso há alguns anos. Durante uma carona da faculdade até o estágio, íamos conversando sobre coisas da vida. Ela, indignada, perguntava "Por que temos que ser felizes o tempo todo? Por quê? Que coisa chata!". Das muitas conversas que tivemos durante alguns quilômetros da rodovia que pegávamos naquela época, essa foi uma das que me marcaram e que eu nunca vou me esquecer.

sábado, 7 de abril de 2012

A saudade


Pela primeira vez na vida senti a dor de ter um amigo longe. De saber que quilômetros de distância entre São Paulo e Berlim nos separariam por tempo indeterminado. Senti o aperto no peito de ter sido egoísta e de não ter ido a sua despedida ao ler a mensagem que ele deixou para mim: "Você sabe que eu tive vontade de chorar. Tipo MUITO."

Figo. Esse é o sobrenome de um cara chamado Anderson. E eu me lembro muito bem do nosso primeiro contato que, mais para frente, renderia muitas conversas, risadas, discussões, uma viagem e vários trabalhos de faculdade juntos. Lembro daquele garoto que parecia o personagem Tintin, do belga Hergé, na faculdade, que, apesar da pouca idade - ele começou o curso aos 17 anos e terminou aos 21 (!!!) - tinha e tem uma personalidade bem solidificada em certos pontos.

Foi ele o meu melhor companheiro acadêmico. Foi ele quem dividiu comigo os momentos de recalque diante de tanta mediocridade de algumas pessoas. Foi ele quem me deu uma das maiores forças diante de um dos momentos mais complicados da minha vida. Foi atencioso, carinhoso, me ligava todos os dias para contar como tinha sido a sua rotina e para me perguntar se estava tudo bem. Ocupou um vazio enorme que me fazia sangrar com todas essas atitudes.

Meus olhos pesados de sono que revisam essas palavras não sentem vergonha ao se encherem de lágrima na frente do meu editor e de alguns repórteres que tiveram a sorte de estar de plantão de Páscoa no dia em que se comemora o Dia do Jornalista - profissão que eu e ele escolhemos - ao lembrar de todo esse passado com uma das pessoas que considero das mais queridas da minha vida. E o choro preso na garganta neste momento não me impede de dizer: obrigada por tudo, amigo querido. Saiba que aqui no Brasil ficaram muitas pessoas que sentirão a sua falta, mas que estão vibrando para que seu caminho tenha muita luz. Brilhe sempre, Figo. Pronto, agora posso soltar o choro de uma saudade antecipada na escada de emergência.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O ego


Trabalho em um lugar em que a disputa pelo ego é muito grande. O fato de trabalhar em uma empresa de renome é o suficiente para que colegas de trabalho passem um ao lado do outro sem trocar um oi sequer.

Às vezes, penso que esse é um estigma da profissão de jornalista, assim como todo profissional desta área está "fadado" ao café, ao fumo, às alimentações mal-feitas e tudo aquilo que comprometa a vida social fora das redações. Um estigma de mal-educado, eu diria. Mas, por outro lado, eu vejo exemplos de que essa regra tem uma exceção.

Lembro que nas primeiras semanas de estagiária na empresa, muitos repórteres passavam ao meu lado, quase esbarravam em mim, mas nunca emitiam qualquer som, qualquer reação física. Nenhum sorriso, nenhum aceno com a cabeça. Nada. Achei que isso fosse algo de praxe e logo desencanei. Até o dia em que fui surpreendida pela simplicidade de um senhor que passava pelo corredor. Quando o vi mais de perto, não acreditei que ali na minha frente estava um dos caras mais citados na faculdade como referência na área econômica: Celso Ming. E ele não quis saber quem eu era: passou ao meu lado e, simplesmente, disse boa tarde. Aquilo me fez entender que o engessamento em algumas relações podem ser qualquer coisa, menos praxe. Podem ser insegurança, excesso de massagem no ego, orgulho ou até mesmo falta de educação. Por que não?

Hoje passando pelo mesmo corredor, não mais como estagiária, mas, sim, como profissional, me deparei com uma faxineira da empresa. É uma senhora muito simples, aparentemente. Mas todas as vezes em que eu ou alguma outra pessoa que passe por ela e se permita receber o seu sorriso, ela não hesita em dizer "Olá, moça, tudo bem?". E ela é a que mais me surpreende. Isso porque essa senhora é a pessoa que, pelo resultado dos fatores, deveria ser a mais introspectiva, principalmente por trabalhar em um ambiente em que as pessoas se dizem tão cultas, mas não educadas, e com algo que a expõe tanto, que é cansativo e que, se atrasar, causa a indignação de todos, independente do motivo.

Por natureza, sou uma pessoa que busca um porquê para tudo. Para o comportamento hostil de alguns, tento explicar isso como uma forma de defesa para a insegurança de algo que, de tanto crescer tão rápido, tão depressa, corre o risco de cair e terminar em estilhaços. Principalmente nos mais novos, que se deslumbram com imediatismos. Esses, pela ordem natural, são os que mais devem viver. Viver para aprender. Viver para aprender a viver.

quinta-feira, 15 de março de 2012

O tudo


Foi preciso sete casas, dois cães, 14 viagens de férias, um carro, uma moto, três bicicletas e inúmeras brigas para ver que o amor tinha chegado ao fim.

Dilacerados, eles se perguntavam o que havia restado. Tinha restado a vida cômoda da acomodação no outro. As facilidades de não ter que desbravar, descobrir, lutar para conquistar aquilo que se deseja.

Tinha sobrado as trivialidades da indiferença, das reações pré-moldadas, cheias de pó. Tinha ficado todas as coisas adquiridas recentemente, mas que já estavam fadadas ao velho. O tempo tinha consumido tudo. E o tudo que causava a ânsia do querer para si tinha se transformado no mesmo tudo que repele, que individualiza.

Entre cacos que estavam no meio do caminho e perfurava a pele dos pés, ficava a pergunta: o que seria escrito dali em diante se não existia aquilo que um dia os tinha unido? Quais histórias seriam contadas? Os contos das solicitude dos dias em comum? Dor.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A cólera


Odeio sentir raiva por tabela. Ainda mais quando é causada pela falta de maturidade de algumas pessoas. Uma coisa é ter que suportar as inseguranças de um adolescente de 12 anos. Outra é ter que lidar com a ignorância causada pela infantilidade de um ser humano com meio século de vida.

Mas acho que o que me deixa mais colérica são os efeitos fisiológicos deste sentimento. A quantidade de adrenalina no sangue beira à overdose e eu, definitivamente, não consigo disfarçar quando estou irritada com alguma coisa. A expressão congela, a voz fica mais acentuada e eu não falo tão devagar quanto costumo falar. O pior de tudo é que a gastrite vem na mesma proporção da minha raiva, dá um chute na porta do estômago e grita “oi!”, mesmo depois de tomar vários copos d’água, colocar uma música para tentar me acalmar.

Não, eu não aturo certas coisas por tabela. Se eu gosto de uma pessoa, eu gosto apenas dela e não necessariamente tenho que simpatizar com o kit completo da qual ela faça parte. E eu não gosto de outras pessoas porque elas fazem parte do pacote. Gosto delas porque gosto e ponto. A minha tabela é formada, apenas, pelas características de uma só pessoa, que por si só forma um todo.

Sempre imagino que temos que passar por certas situações para que possamos evoluir. Mas às vezes questiono se tudo não seria mais simples se existissem naves em que pudéssemos embarcar tudo e todos que gostamos e sumir para um mundo só nosso. Sim, isso seria impossível. Mas ainda questiono que, se temos que evoluir, crescer ou seja lá o que for, à base de provações, que nos tiram tanta energia, será que temos o tempo suficiente para aproveitar essa tal “evolução”? Por mais que tentemos não dar espaço para a raiva, sempre tem algo que toma um filão das nossas vidas para esse sentimento aí. E quando chega essa hora, dá vontade de fazer o que o clipe abaixo sugere:



quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A ópera

2h59.  "Lembra daquela cicatriz no meu dedo indicador esquerdo que você vivia perguntando do que era? Eu me lembrei." Foi assim que, depois de alguns anos, ela tinha enviado o e-mail que tanto resistiu em enviar a ele. Em uma madrugada quente de verão e após alguns cigarros consumidos no escuro, ela tomou coragem. Tinha se recordado da tal marca no dedo após alguns pensamentos desconexos enquanto o sono não vinha. Pensou um pouco de tudo. No pai, em uma casa com piscina no interior, no brinco novo que tinha comprado e em borboletas. Borboletas. Insetinho interessante, que começava o ciclo da vida de forma feia e estranha, mas que tinha um fim bonito. E ai veio a mente como poderia ser o seu casamento em dia. Se se casasse. Não tinha a imagem do noivo. Poderia ser qualquer um que habitasse em seus devaneios. Qualquer um sem face alguma. Imaginou ser legal se casar a céu aberto. E que, antes de percorrer o caminhou rumo ao altar, uma revoada de borboletas poderia anunciar a sua entrada. Imaginou não ter problema se alguma delas voasse contra si. Lembrou do que sua mãe havia dito há muitos anos: "Dá sorte quando uma borboleta pousa em nós". Ela se lembrou então do dia em que sua mãe disse isso. No dia da sua primeira comunhão, em que recebera a hóstia com o nó do dedo indicador esquerdo machucado no muro de concreto chapiscado de uma de suas casas de infância. E foi assim que ela criou colhões suficientes para ter novamente contato com aquilo que a fizera sangrar tanto um dia. Não as borboletas. Ele.