domingo, 16 de setembro de 2012

Dias indigestos regados a tecnologia




A importância que a tecnologia conquistou em nossas vidas não tem preço. Em qualquer área. Hoje, salvamos vidas utilizando aparelhos que substituem órgãos, conseguimos nos comunicar em tempo real com pessoas que estão do outro lado do mundo, acompanhamos o caminho que produtos comprados via internet fazem até chegar a nossas mãos. Porém, como tudo há de ser, existe o ônus dessa revolução tecnológica.

Sou do fim de um tempo em que o telegrama foi usado para felicitar a minha família pelo meu nascimento. Fiz amizades me correspondendo com “estranhos” por meio daquelas sessões de “novos amigos” que as revistas tinham. Lembro muito bem que, quando eu não sabia ler e escrever, minha mãe ouvia e redigia o que eu tinha a dizer para meus colegas até então desconhecidos. Mais adiante, cheguei a fazer curso de datilografia por influência dos meus pais – para mim, ouvir o barulho da antiga Olivetti preta que eles tinham em casa era empolgante.

E datilografar com a habilidade e rapidez deles? Demais! Achava estranho a força que eu tinha que empregar nas teclas da máquina, mas me esforcei. Mas não demorou muito para que ela ficasse à sombra do esquecimento, dando lugar ao computador que eu ganhei nos meados dos meus 14 anos. Meus dedos agradeceram.

Eu sempre fui tímida. Era a “esquisitinha” da classe, sempre estava no canto. Isso quando não cismava e parava de falar com todo mundo de uma vez. Nunca soube lidar muito bem com o comportamento humano, ainda mais in loco. Nessa época, adotei – e muito – a comunicação via internet. Minha mãe ficava preocupada com isso, já que era rotina eu ficar ansiosa para dar meia-noite para usar a rede por um só pulso. Ela acordava no meio da madrugada e eu estava lá, entretida com tanta novidade.

As cartas trocadas via fórum dos leitores das revistas foram substituídas por novos cibercolegas. Confesso que me isolei bastante nessa fase. Afinal, eu me articulava tão bem via protocolo de informação que as relações interpessoais não me faziam falta. Boa parte do que aprendi também aconteceu nesse mesmo período. Apesar de achar as pessoas – de carne e osso – ao meu redor estranhas, com o tempo aprendi e, mais do que isso, passei a me interessar a lidar com algumas delas.

Ainda utilizo os meios virtuais para comunicação. Aliás, não seria leviano eu dizer que 95% da minha comunicação é feita via internet. É muito prático conversar com um amigo querido que está do outro lado do mundo, saber que minhas amigas de infância casaram e já são mães por meio de fotos postadas nas redes sociais ou resolver problemas com empresas via canal online de relacionamento com o cliente.

Mas, como eu disse mais acima, existe o ônus disso tudo. Essa praticidade gera distância. Gera uma incapacidade de processarmos o que vem de dentro, o que sentimos. Distância capaz de tornar pessoas próximas em estranhos. Ou em estranhos íntimos, como preferir. Confesso que sinto muito por não ter pego no colo – ainda – os filhos das minhas melhores amigas de infância, de não poder contar com o colo de um amigo que está longe nos momentos difíceis e não olhar bem fundo nos olhos de um representante de alguma empresa quando estou insatisfeita com seus serviços.

Deduzimos sentimentos. Pode parecer saudosismo da minha parte, mas esse contato pessoal, de frente para o outro, não tem como ser substituído. Sim, existem as câmeras que transmitem imagens em alta resolução, microfones que captam vozes a metros de distância, mas não, isso tudo não substitui o velho olho no olho. Por dias com o uso moderado da tecnologia. Por favor.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A gafe do politicamente correto




A cada dia fico mais assustada com o mar da linguagem politicamente correta no qual estamos mergulhados. Às vezes, sinto que fomos pegos feito bonequinhos de marionete e imergidos em termos plásticos, sem função alguma. São termos amenos, com a função de apaziguar um suposto conflito psicológico causado em algumas pessoas ao ouvi-los.

Um dia desses, travei uma batalha sobre a utilização da palavra gari. Sim, o catador do nosso lixo, prestador de um dos serviços que mais julgo essenciais à sociedade, a limpeza, e que me faz sorrir com gratidão e dizer obrigada toda vez que consigo alcançar o caminhão de coleta correndo para conseguir descartar o que não é mais útil para mim.

A explicação vinda do outro lado era sobre o suposto peso pejorativo que a palavra carrega. Em seu lugar, deveria ser aplicado algo como “colaborador”, “agente” antes da palavra limpeza. Não consegui disfarçar a minha indignação com tal justificativa e dividi com alguns colegas. Todos, assim como eu, buscavam uma explicação plausível para a nova terminologia. Poxa, como assim exterminar a palavra gari? Mal sabe a pessoa que estava do outro lado que esse substantivo remete a algo histórico para o Brasil, e que nada tem de ruim, quando o francês Pedro Aleixo Gary assinou, em 1876, o primeiro contrato de limpeza com o império brasileiro. Após saber essa informação, minha curiosidade foi ainda mais longe e me fez pesquisar como os garis são chamados ao redor do mundo. Vi que em Portugal, eles são os “almeidas”. Sim! Isso em homenagem a um diretor de limpeza da capital portuguesa que tinha o sobrenome Almeida.

Depois de saber essa informação, fiquei me perguntando: e se a onda do politicamente correto invadisse Portugal? Uma outra onda de Almeidas de sobrenome invadiria os cartórios desesperada querendo mudar seu nome de família? Ou ser um Almeida seria sinônimo de estigma social, tendo eles que criar uma sociedade secreta para poder continuar vivendo?

Outro termo que passou a me chamar a atenção é o “melhor idade” para se referir a pessoas idosas. Certa vez, eu estava na fila de uma farmácia e ao lado do caixa onde eu estava, tinha um de atendimento exclusivo a pessoas na “melhor idade”. Um senhor, que caminhava com certa dificuldade e que não escondia o peso de ter uma coluna vertebral já arcada pelo tempo, estava próximo a mim comentou algo do tipo “Como é possível isso? Eu aqui, gastando boa parte da minha aposentadoria com remédios por causa das doenças que a idade me proporcionou, e a farmácia dizendo que estou na melhor idade! Tenha paciência!”. Entendi que aquilo, sim, era uma falta de respeito a alguém que deveria, de fato, ser reconhecido pelos anos de vida que levava na bagagem.

Fiquei constrangida pela farmácia ao ouvir aquilo da boca daquele senhor. Mais que constrangida, fiquei triste em saber que palavras que carregam um sentido tão nobre, como gari, que representa o que representa como eu disse acima, e idoso, ou até mesmo velho, remeta a algo ruim. Pelo contrário, se temos que criar expressões que valorizem essas pessoas que citei como poucos exemplos, que seja algo composto por, no mínimo, muitos adjetivos positivos, pois é o que elas representam para toda sociedade.

Acredito que essas interferências na semântica das palavras contribuem apenas para inflamar o infeliz sentido negativo que algumas pessoas insistem em dar a elas. E o pior de tudo é que esse amenizar afeta diretamente quem supostamente deveria ajudar. Isso as ofende, principalmente quando seu “problema”, seja ele por profissão, idade, peso, raça ou seja lá o que for, é visto como algo negativo. E não é.