segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A gafe do politicamente correto




A cada dia fico mais assustada com o mar da linguagem politicamente correta no qual estamos mergulhados. Às vezes, sinto que fomos pegos feito bonequinhos de marionete e imergidos em termos plásticos, sem função alguma. São termos amenos, com a função de apaziguar um suposto conflito psicológico causado em algumas pessoas ao ouvi-los.

Um dia desses, travei uma batalha sobre a utilização da palavra gari. Sim, o catador do nosso lixo, prestador de um dos serviços que mais julgo essenciais à sociedade, a limpeza, e que me faz sorrir com gratidão e dizer obrigada toda vez que consigo alcançar o caminhão de coleta correndo para conseguir descartar o que não é mais útil para mim.

A explicação vinda do outro lado era sobre o suposto peso pejorativo que a palavra carrega. Em seu lugar, deveria ser aplicado algo como “colaborador”, “agente” antes da palavra limpeza. Não consegui disfarçar a minha indignação com tal justificativa e dividi com alguns colegas. Todos, assim como eu, buscavam uma explicação plausível para a nova terminologia. Poxa, como assim exterminar a palavra gari? Mal sabe a pessoa que estava do outro lado que esse substantivo remete a algo histórico para o Brasil, e que nada tem de ruim, quando o francês Pedro Aleixo Gary assinou, em 1876, o primeiro contrato de limpeza com o império brasileiro. Após saber essa informação, minha curiosidade foi ainda mais longe e me fez pesquisar como os garis são chamados ao redor do mundo. Vi que em Portugal, eles são os “almeidas”. Sim! Isso em homenagem a um diretor de limpeza da capital portuguesa que tinha o sobrenome Almeida.

Depois de saber essa informação, fiquei me perguntando: e se a onda do politicamente correto invadisse Portugal? Uma outra onda de Almeidas de sobrenome invadiria os cartórios desesperada querendo mudar seu nome de família? Ou ser um Almeida seria sinônimo de estigma social, tendo eles que criar uma sociedade secreta para poder continuar vivendo?

Outro termo que passou a me chamar a atenção é o “melhor idade” para se referir a pessoas idosas. Certa vez, eu estava na fila de uma farmácia e ao lado do caixa onde eu estava, tinha um de atendimento exclusivo a pessoas na “melhor idade”. Um senhor, que caminhava com certa dificuldade e que não escondia o peso de ter uma coluna vertebral já arcada pelo tempo, estava próximo a mim comentou algo do tipo “Como é possível isso? Eu aqui, gastando boa parte da minha aposentadoria com remédios por causa das doenças que a idade me proporcionou, e a farmácia dizendo que estou na melhor idade! Tenha paciência!”. Entendi que aquilo, sim, era uma falta de respeito a alguém que deveria, de fato, ser reconhecido pelos anos de vida que levava na bagagem.

Fiquei constrangida pela farmácia ao ouvir aquilo da boca daquele senhor. Mais que constrangida, fiquei triste em saber que palavras que carregam um sentido tão nobre, como gari, que representa o que representa como eu disse acima, e idoso, ou até mesmo velho, remeta a algo ruim. Pelo contrário, se temos que criar expressões que valorizem essas pessoas que citei como poucos exemplos, que seja algo composto por, no mínimo, muitos adjetivos positivos, pois é o que elas representam para toda sociedade.

Acredito que essas interferências na semântica das palavras contribuem apenas para inflamar o infeliz sentido negativo que algumas pessoas insistem em dar a elas. E o pior de tudo é que esse amenizar afeta diretamente quem supostamente deveria ajudar. Isso as ofende, principalmente quando seu “problema”, seja ele por profissão, idade, peso, raça ou seja lá o que for, é visto como algo negativo. E não é.

Um comentário:

  1. CONCORDO PLENAMENTE... TAMBÉM ACHO QUE ALGUMAS PALAVRAS E AÇÕES DA SOCIEDADE ATUAL TENTAM "MAQUIAR" PRECONCEITOS... UMA FORMA UM POUCO MAIS DISFARÇADA DE DIZER QUE VOCÊ É DIFERENTE... ACHO QUE O MESMO SE APLICA AOS "PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS" OU AOS QUE PERTENCEM À ALGUMA "MINORIA ÉTNICA"... ENFIM, TRABALHANDO COM ATENDIMENTO AO PÚBLICO, PRECISEI ME HABITUAR A UMA SÉRIE DE TÍTULOS PRA TRATAR AS DESIGUALDADES DAS PESSOAS, QUE MUITAS VEZES, NEM AS PRÓPRIAS PESSOAS SABEM QUE OS TAIS TÍTULOS SE REFEREM À ELAS... ACHO QUE O OBJETIVO DA SOCIEDADE ORGANIZADA DEVIA SER INCLUIR AS PESSOAS E FAZER COM QUE TODOS SEJAM IGUAIS INDEPENDENTE DAS CLASSES SOCIAIS, IDADE, OPÇÃO RELIGIOSA, RAÇAS E ETC... ROTULAR AS PESSOAS AFASTA ESSA IDÉIA DE INCLUSÃO SOCIAL.

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